terça-feira, novembro 21, 2006

NAVE - Conto



"Planeta Terra chamando nave. Nave responda, câmbio!"

Desde menina esta era a frase que Anita mais sonhava em ouvir, ela tinha um projeto de vida e uma grande vontade de trabalhar na NASA.

Seu projeto de vida finalmente começaria esta semana. Segunda-feira o carteiro toca a campainha e ela recebe a correspondência mais esperada dos últimos tempos: "A Sra. foi aprovada como candidata ao treinamento na NASA e uma possível viagem a ser feita futuramente".

A NASA tinha a programação de uma viagem pequena em uma nave tripulada apenas com dois profissionais. Era necessário um conserto em uma das estações fixas, nada muito complexo ou que trouxesse grandes repercussões, mas isso já era um sonho. Mas teria que passar por algumas etapas dificílimas, uma prova com mais de 570 mil candidatos e alguns testes de resistência, inclusive física.

Nesse mesmo instante Lincon recebe uma correspondência igual: "O Sr. foi aprovado como candidato ao treinamento na NASA e uma possível viagem a ser feita futuramente".

Mais oito pessoas receberam correspondências idênticas e um mês de correria se passa.

Anita
Organizar as contas, deixar o gato na casa da irmã, ir ao salão, ligar pra mãe:
- Mãe, oi... Sim mãe sou eu... Tá mãe, eu prometo que no Natal que vem se eu estiver na Terra irei passar com vocês... Eu sei mãe, foi Dia das Mães, mas eu estudei o domingo inteiro e......"esqueci"..... (ai que vergonha, mas mãe sabe e não adianta mentir)... É mãe, é importante pra mim, meu projeto de vida. Ta bom mãe, bença.

Lincon
Deixar as ordens e o cachorro com a secretária e ligar para o pai:
- Oi pai, fala pra mãe que fui escolhido... Não pai, fala você porque eu sei que ela vai chorar meia hora. Ta bom, um abraço, tchau!

No dia marcado, dos dez escolhidos pelo "deus NASA" estão lá religiosamente na hora sete pessoas.

Desses sete, três são reprovados nos exames físicos.

- Putz, valeu cada dia que acordei às 4:30h da manhã para correr em volta do parque, que bom que odeio cigarros, pensa Anita.

- Eu sabia que mesmo de noite, correr no parque iria oxigenar minhas malditas células. Puxa, quase fiquei sem oxigênio no último exercício, que bom que parei de fumar quando recebi a carta de convocação, pensa Lincon.

Mais um mês se passa e os concorrentes não se conhecem, os quatro fazem treinamento separadamente.

A última bateria de testes é animal e nessa noite nenhum dos quatro consegue dormir direito. No dia seguinte será a divulgação. Quem sobe para o espaço? Quem fica na Terra? Dois vão, dois ficam... "Ai meu Deus"... Mas o cansaço vence os quatro.

- Bom dia, ela falou. Ele apenas grunhiu algo, de cabeça baixa continuou seu café da manhã. Ela escolheu o seu. Era a primeira vez que se encontravam e eles souberam que iriam ser companheiros naquela viagem horas antes. "Eu preferia que fosse uma mulher, somos mais detalhistas". "Eu preferia que fosse um homem, somos bem mais técnicos e espero que ela não chore de medo ou saudades na hora da nave decolar".

Four three two one... Fire!!!

Ela não chorou, ele foi altamente detalhista. "Hum, quem sabe poderemos ser bons companheiros de trabalho?" Pensaram.

Passadas as primeiras seis horas de trabalho duro; a nave no espaço, planetas, satélites, a Lua. Como é bonita a Lua vista de fora da Terra!

A nave na rota, computadores ok, checando tudo. Agora é tirar essa roupa infernal e descansar um pouco.

Fome - ele; cansaço - ela; excitação - os dois.

Pela segunda vez ela tenta uma comunicação um pouco mais humana, um pouco amigável.

- Enfim um pouco de descanso, diz Anita.

E pela primeira vez os olhos dele encontram os dela. "Meu Deus que olhos ele tem! Refletem o mar em dias de sol, o universo, A Terra é azul e os olhos dele também"...

- É mesmo! Responde Lincon - "Uau! Ela é linda!!!"

"Planeta Terra chamando nave. Nave responda, câmbio!"

- Nave respondendo Terra, câmbio, responde ela.

Só agora ele percebia que a voz dela era suave como o azul do infinito.
- Ok Terra, tudo em ordem. Câmbio final.
- O que temos para o almoço?
- Senhora, temos filé à parmegiana, gosta? Ela ri, aquela comida de astronauta nada se parecia com seu prato favorito.
- E como você sabia que adoro filé à parmegiana? Ele ri, "que sorriso"... ela pensa.
- Você se esqueceu? Montamos um perfil quando fomos admitidos para o teste inicial.
- E você lembrou do meu?
- Não, eu não lembrava de nenhum, mas quando soube que você seria minha colega de viagem, reli seu perfil. "Um a zero pra ele" pensa Anita.
- E depois, quem descansa primeiro? Estamos ainda longe do nosso ponto de parada.
- Pode descansar um pouco, vou checar as coisas por aqui. Lincon responde.

Depois do almoço ela segue para o quarto, se é que aquilo pode ser chamado de quarto. Pega suas coisas, vai até o compartimento que dizem ser um banheiro. Toma um banho e se joga na parte de baixo do beliche. Morta de cansada dorme em segundos.

Ele checa os instrumentos, rota segura, tudo em ordem. Relaxa um pouco e lembra da sua máquina digital na bagagem. Entra no cubículo ocupado apenas pelo beliche e dois compartimentos onde guardam as poucas coisas que levaram para a nave, mas o que chama a atenção não é o quarto e sim o cheiro gostoso que sente ao abrir a porta. Ela linda, cabelos cor de fogo espalhados pelo travesseiro, o lençol delimitando as curvas do corpo, parecia um querubim abandonado pelos deuses. Olha para ela atentamente enquanto pega a máquina. Ela parece sentir aquele olhar e se mexe na cama, deixando a mostra um pedaço do seio. Auréola rosa, ele torce para o lençol escorregar mais um pouco, mas não... Ela dorme quieta e profundamente.

- Bom dia, diz ele sorrindo. Fiz chá, quer?

Ela aceita. "Meu Deus! Sou uma astronauta, esse é meu trabalho e ele apenas um colega, melhor eu tirar essas bobagens da cabeça".

Chegam ao local designado e se mantém ocupados o dia todo. Mais de dez horas se passam sem sentirem. Param e comem alguma coisa, enquanto conversam sobre como anda indo o conserto na estação espacial. São apenas colegas de trabalho no espaço. Um mundo de astros em volta deles, um homem e uma mulher trabalhando. É lá em cima que assistem primeiro eclipse juntos. O Sol e a Lua como se fosse uma unidade, uma prova de amor do Universo. Olham o fenômeno e se olham.

Conseguem consertar o defeito da estação e em 48 horas deverão estar na Terra novamente. Voltam para a nave, ela checa os instrumentos, ele está no seu momento de folga, um banho e descansar um pouco é tudo o que quer.

As correções estão feitas, é só colocar a nave no rumo de volta. Felizes por ter saído tudo perfeito. Hora de descansar um pouco.

Um banho e cama.

Mas eles não dormem, o eclipse e a tarefa cumprida com perfeição proporcionam uma espécie de excitação. Pela pequena escotilha olham em silêncio a Lua, o Sol e ainda o Eclipse.

Nunca souberam como começou. Talvez no momento em que os lábios dele tocaram os dela e suas mãos leves, macias percorreram as curvas, montes e depressões. Cada pedaço do corpo dela sentido, cheirado, acariciado. Cada pedaço do corpo dele amado, sugado, saboreado. Os corpos em guerra interestelar, as almas se fundindo, o cheiro de almíscar, os gemidos testemunhados pelos astros.

Lá no fundo da nave, do mundo, do nada, baixinho ainda se ouvia uma voz repetidas vezes:

"Planeta Terra chamando nave. Nave responda, câmbio!"

Eles não ouviam.

Explodiam no espaço, fundidos num só corpo, um astro só, como o Sol e a Lua em eclipse.

4 comentários:

Anônimo disse...

Adorei!

Sempre que uma pessoa faz a gente perder a cabeça, dá essa impressão de "estar em órbita".

Parabéns.

bjos

Alma disse...

Ou literalmente fora de órbita rsrs

bjs

Ebooker disse...

É... eu gosto muito de contos... muito mesmo... esse deixa clara a impressão do "nada mais importa". Quando você está com A PESSOA tem está sensação né? Bela criação esta sua, e muito bem escrito também!

PARABÉNS !!!

Anônimo disse...

Vlad
Se fundir num corpo só é tão difícil que merece contos e mais contos que lhe rendam as devidas homenagens.

Mas sem vermes, please... rsrsr

Bjs