sexta-feira, dezembro 29, 2006
PÊ CÊ - Conto
Os surtos estranhos começaram de uma forma branda, quase imperceptivelmente, mas com o passar do tempo as crises foram aumentando sua freqüência, ele começou a ter altas variações de pressão e palpitações.
Um dia acordei de madrugada com ele dando uns estalidos estranhos e quando fui medir sua temperatura anal fiquei horrorizado. O pobre coitado estava com 94º de febre. Quando olhei para o monitor, piscavam luzes coloridas. Comecei a achar que ele estava tendo um surto de comportamento esquizo-afetivo do tipo paranóia. Tentei acessar meu caderno de endereços, mas foi em vão. Nenhum dos sinais vitais estavam compatíveis com a normalidade.
Procurei pelas gavetas o velho e bom caderno de endereços de papel e achei em baixo de um pouco de poeira, resguardado por algumas teias de aranha, mas o bolor não chegou a tomar conta e desgrudando as folhas amareladas achei o telefone do Doutor Kanalha. Pedi que viesse com urgência, que eu pagaria o adicional noturno, mas que não podíamos deixá-lo morrer assim, sem assistência.
Doutor Kanalha examinou por horas a fio meu pequeno amigo. Conseguiu tirá-lo da crise e deixou uma receita para eu avia-la no dia seguinte. Era para dar 40 comprimidos de Lactopurga, 1 frasco de Luftal e 50 comprimidos de novalgina que ele iria ficar bonzinho.
Fiz exatamente o que o Dr. Kanalha prescreveu, mas a febre tinha voltado e ele estava começando a ter algo parecido com uma convulsão. Liguei para o consultório do médico, mas ele tinha saído e quem me atendeu foi sua enfermeira. Disse que o médico tinha pedido para eu comprar um frasco de Haldol, pois meu amigo poderia vir a ter um forte surto esquizóide como agravamento de uma leve paranóia que ele já vinha apresentando.
Dois dias se passaram e nenhuma melhora. A memória do meu amigo tinha sofrido uma coisa parecida como "estouro da pilha" e ele passou a ter apenas uma vaga lembrança das coisas mais sérias. Como não vi nenhuma melhora, decidi ligar novamente para o consultório do médico.
- Consultório do Dr. Kanalha, em que posso servi-lo?
- Boa tarde senhora... senhora...
- Senhora não, senhorita, por favor, senhorita Kibundah, sou a enfermeira do Dr. Kanalha. Em que posso ajudá-lo?
- Sta Kibundah o Dr. Kanalha atendeu ao meu chamado essa madrugada...
- É o Sr. Tadeu Tadando que está falando?
- Sim.
- O Dr. Kanalha deixou outra receita comigo, caso a medicação da madrugada não desse certo. O Sr. Pode passar aqui até às 17h para buscá-la.
- Sim senhora, já estou indo aí.
Em 15 minutos eu estava chegando ao consultório, peguei a receita, agradeci e parti pra dentro da farmácia, meu amigo tinha piorado muito. As convulsões tinham recomeçado.
O balconista da farmácia leu a receita e perguntou:
- O senhor tem certeza que são esses remédios mesmo?
- Respondi ?sim? e pedi para ler a receita, pois com a pressa eu não tinha nem lido a prescrição passada pelo Dr. Kanalha.
Sr. Tadeu Tadando, se o Sr. Bicheira Bagaceira não tiver melhora de 24 a 72 horas entrar com a medicação de urgência que consiste em:
Diariamente e por 10 dias seguidos ministrar:
5 colheres de sopa de Agarol
Um comprimido de Gardenal
E dois comprimidos de Ascarical
OBS.: O Gardenal é apenas uma medida profilática, pois ele vai cagar as bichas todas sem ter convulsão.
Quando cheguei em casa e mostrei a medicação para meu amigo Bicheira e ele deu um pulo tão grande que pensei que estava curado. Mas que nada, ele quase saltou pela janela. Infelizmente, era só mais um de seus surtos psicóticos. Quando ele me viu pensou que estava vendo o Dr. Q Dedo que ele já conhece tão bem, um médico excelente, muito capacitado e habilitado, mas por ser proctologista meu amigo tinha horror dele.
- Porque você reagiu assim Bicheira? Perguntei.
- Pensei que o Dr. Q Dedo estava chegando para me fazer um exame, eu não quero Q Dedo! Não quero! Prefiro o suicídio!!!
- Calma amigo, só estou trazendo a medicação do Dr. Kanalha, acho que agora você melhora.
Dez dias se passaram e meu amigo continuava com febres, palpitações e às vezes nem vaga lembrança tinha mais.
Ele parecia O Malandro* do Chico Buarque:
O malandro/Tá na greta
Na sarjeta/Do país
E quem passa/Acha graça
Na desgraça/Do infeliz
O malandro/Tá de coma
Hematoma/No nariz
E rasgando/Sua bunda
Uma funda/Cicatriz
O seu rosto/Tem mais mosca
Que a birosca/Do Mané
O malandro/É um presunto
De pé junto/E com chulé
O coitado/Foi encontrado
Mais furado/Que Jesus
E do estranho/Abdômen
Desse homem/Jorra pus
O seu peito/Putrefeito
Tá com jeito/De pirão
O seu sangue/Forma lagos
E os seus bagos/Estão no chão
O cadáver/Do indigente
É evidente/Que morreu
E no entanto/Ele se move
Como prova/O Galileu
*O malandro nº 2
Kurt Weill - Bertolt Brecht - versão livre de Chico Buarque/1977-1978 para a peça Ópera do malandro, de Chico Buarque
Passaram-se os dias à base de Lamotricina, Venlafaxina, Valproato e Clonazepan.
Se bem que eu achava que seria melhor Formicida logo de uma vez, dizem que a Tatu é a melhor, deixa o intestino em tiras que nem o Pitangy dá jeito.
Mas tive que chamar mesmo o Dr. Q Dedo, que depois do seu "dedo santo", trocou o cooler, formatou o HD, deletou todos os vírus e meu amigo Bicheira Bagaceira voltou a ser o amigo que sempre foi: O MELHOR PC DO MUNDO.
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Um comentário:
hehehehe Bem, muito bem :)
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