sexta-feira, fevereiro 22, 2008

EXISTE UM LUGAR


Ele tinha um sonho, ela tinha um grande caminho ainda a percorrer. Chovia muito naquele dia, parecia que o mundo ia se acabar.

Ela tinha uma prova importantíssima.

Ele uma audiência que não poderia perder ou sua carreira estaria em jogo.

E aquela esquina calma os dois dobraram, não tão calmamente, e o encontrão aconteceu. A pasta dele cai na poça d’água e os livros, anotações e óculos dela voam.
- Merda, seu idiota! Não olha para aonde anda?
- Moça, me desculpa! Eu vinha perdido em meus pensamentos... Mas por favor, porque tanta agressividade?

Quando ela achou seus óculos – com uma das lentes quebrada – ela simplesmente teve um ataque de nervos.
- Monstro! Como vou fazer prova agora? Não enxergo nada sem eles! Idiota! Débil mental! Cretino!
- Calma moça! Não posso fazer nada para cobrir seu prejuízo agora, tome seus livros que estou atrasado. Ah! Fique com meu cartão, faça um par de óculos novos e me mande a nota fiscal que eu pago, mas, por favor, preciso ir agora.

Camila guardou o cartão, pegou seus livros e correu para a faculdade. No caminho buscava dentro da sua bolsa o outro par de óculos escuros pensando: que coisa ridícula, chegar na faculdade, num dia de chuva, com óculos de sol.

Enquanto isso Leonardo entrava no fórum. A sobrevivência da sua cliente dependia quase que totalmente dele, do que ele poderia fazer por ela para ganharem aquela causa. Recém formado, Léo precisava pegar pequenos processos para se firmar profissionalmente, mas só ele sabia o quanto isso lhe custava. Ele tinha feito aquela faculdade porque seu pai, um grande jurista, só aceitava que seu filho fosse advogado. Só ele sabia o quanto seu sonho estava distante daquele trabalho medíocre.

O tempo passa sem que Léo e Camila sintam. Tinham coisas mais importantes a resolver na vida.

Camila se formou administradora, estava estagiando na área de turismo e feliz com seu trabalho.

Léo perdeu a causa, chegou no escritório e foi colocado abaixo de sarna de cachorro. Mandou o chefe fazer o trabalho nojento que ele era obrigado a fazer, passou na casa dos pais, falou tudo o que estava entravado na sua garganta desde que nasceu, pegou suas economias e foi para a rodoviária. Não tinha a mínima idéia para onde iria, mas isso era o que menos importava.

Camila tinha um trabalho a fazer. Seu chefe quer abrir mais um hotel e ela foi designada para pesquisar o mercado em Porto Alegre. Como tinha pavor de avião optou pelo ônibus. Entrando na rodoviária sente uma barreira humana e seus óculos voam, mas dessa vez ela os pega ainda no ar, inteiros. A proximidade fez ela reconhecer Léo.
- Não acredito! Você de novo no meu caminho, seu peste?

Léo busca na memória de onde conhecia uma mulher tão desagradável e acha alguém lá no fundinho da sua mente.
- Diabos! Você só aparece para me trazer má sorte! Já sei que minha viagem vai ser péssima!

Nisso Camila tira da bolsa uma nota fiscal e entrega a ele.
- Foi bom te reencontrar, afinal de contas meus óculos não foram nada baratos e quando liguei para você, quem atendeu mandou eu telefonar para o inferno para te achar, pois você não trabalhava mais lá.
- Desculpa, disse Léo, eu não sabia que sairia da firma logo depois daquele dia. Léo busca suas economias no bolso e paga a Camila os óculos devidos.

Cada um toma seu caminho.

Léo entra no ônibus, acomoda sua bagagem e senta.

Camila entra no ônibus que vai levá-la a uma cidade totalmente estranha, se sente insegura. Busca o número da sua poltrona, mas... Tem um rapaz sentado.
- Desculpa, mas você está sentado na minha poltrona, comprei a da janela pois não costumo dormir em vagens.

Léo escuta aquela voz e não acredita. Ele se sente como se antes de nascer tivesse jogado pedra na cruz, socado caipirinha no Santo Graal ou picado salsinha na Tábua dos Dez Mandamentos.
- Você?!?! Ô Deus do céu! Você vai até Porto Alegre do meu lado? E ainda por cima fala que não dorme em viagens?!?!
- Muito prazer, Camila.
- Prazer, Léo.

Nenhum dos dois dormiu naquela viagem. Ela falava do emprego, da vida, dos sonhos. Ele falava da demissão, das pressões do pai, dos sonhos.

Entraram em Porto Alegre com o sol nascente refletindo no Guaíba. Ela tinha estado no Fórum Social, acampou no Parque Harmonia e conhecia um shopping que tinha um dos melhores cafés que tinha tomado. No café conheceram um senhor que tinha ficado viúvo e queria vender sua casa. Um imóvel simpático, feito de tijolo aparente, amplas janelas, um imenso jardim arborizado, alguns pés de rosas, acácias, ipês...

Léo se encantou pela casa, Camila amou tudo.

Mas Léo não tinha o dinheiro suficiente, mesmo assim perguntou para o senhor se poderia passar a noite na casa. Ele respondeu que sim, pois morava com um filho. Só que a casa não tinha móveis, apenas a cama que ele não quis tirar do quarto, não quis vender, pois nela tinha vivido os melhores momentos com sua esposa.

O dia ia acabando, o sol buscando outras terras e Léo e Camila ainda estavam sentados no alpendre conversando. Sonham juntos, fazem contas, sonham mais sonhos juntos e chegam a conclusão que as economias de ambos dava para comprar a casa. Fecham um contrato verbal.

Chega a noite e o cansaço da viagem pesa. Eles se dão conta de que ainda conversavam e nem tinham visto a casa toda.

Ao entrarem no quarto, mesmo sabendo que na casa só tinha uma cama, não sabiam que era uma cama arrumada. Lençóis de linho branco com fronhas cheirosas nos travesseiros e um edredom novinho e macio. Um galho de alfazema em cima, junto com um buquê feito com as rosas do jardim.

Sem nada falarem, tiram as roupas e se deitam.

Essa cama foi a que usaram em todos os anos que funcionou o bistrô que abriram em parte da casa.